
Escrever é um marco na vida das crianças e uma felicidade para os pais. É lindo ver a criança dar significado àqueles traços em forma de letras que até pouco tempo eram algumas garatujas.
A escrita proporciona uma sensação indescritível de alegria, conquista e autonomia. É uma forma diferente de se comunicar e um passaporte para uma maravilhosa viagem para explorar ainda mais o mundo do conhecimento. Através da escrita a criança pode mostrar o que pensa e o que sabe, por isso, todo cuidado é pouco para fazermos desta fase, um momento único, prazeroso e de muita confiança mútua. Se a criança não for bem acolhida, respeitada e motivada nesta etapa, ela pode apresentar insegurança e dificuldades para aprender, pois o medo de expor o que sabe pode constrange-la.
O professor deve conhecer muito bem as fases da escrita de Emília Ferreiro para não interpretar como erro, aquilo que é comum no desenvolvimento da escrita[1].
Conforme a escrita da criança evolui, alguns erros desaparecem e tantos outros surgem. Isso é natural até que ela esteja completamente alfabetizada. É importante perceber que cada criança tem o seu tempo e uma história de vida que vai influenciar diretamente neste ritmo, ou seja, no quando ela será ou não alfabetizada.
Todas as crianças do mundo, passam por um momento de dificuldades em sua alfabetização e os problemas em discriminar letras ou mesmo a escrita espelhada de letras e números são comportamentos bastante normais. (DEHAENE, 2012).
Você sabia que o Leonardo da Vinci tinha escrita espelhada? Pois é, este era o efeito da dislexia em uma pessoa canhota. Curioso, não é?
Mas o que é escrita espelhada?
A escrita espelhada é uma dificuldade de aprendizagem muito comum durante o processo de alfabetização. As letras são giradas em seu próprio eixo como o b pelo d e o q pelo p, ou ainda as crianças escrevem como se estivessem do outro lado do espelho, ao contrário.

Xenografia era o termo grego utilizado para se referir a esta escrita estranha. Alguns autores como Dehaene (2012), Piaget e Inhelder (1980), dizem que as crianças, antes dos 7 anos ainda não adquiriram o auge de sua maturidade neurobiológica, por isso, é provável trocarem a direção de sua escrita, pois noções básicas de lateralidade ainda não estão consolidadas.
Antes de mais nada, como já foi dito acima, espelhar letras e números é normal, por isso, é importante permitir que as crianças experimentem a escrita, façam tentativas, ensaios e tenham erros. A criança precisa se conscientizar sobre as suas dificuldades. Não é simplesmente apontar o erro, mas questioná-la, fazê-la perceber e tomar conhecimento sobre como fez, porque fez e como deveria fazer, conforme já nos alertava o grandioso Piaget. Pais e professores são primordiais nesta etapa.

Para Emília Ferreiro e Ana Teberosky as crianças começam a construir a língua escrita muito antes de entrarem na escola. Escrever requer maturidade e vivências que passam primeiramente pelo corpo. Por isso, a Educação Infantil, mais uma vez, tem uma função preciosa ao proporcionar para a criança estas experiências, já que tudo aquilo que sentimos e vivenciamos com o corpo, torna a aprendizagem muito mais significativa.
As principais habilidades, que podem ser consideradas como “pré-requisito” para a escrita, iniciam-se logo que o bebê nasce e se aprimora na educação infantil. A lateralidade (direita esquerda), conceitos de noção espacial, simetria, noção corporal, coordenação motora fina, coordenação visomotora, relaxar e contrair o corpo, o tônus muscular, enfim, na educação infantil é o momento de praticar tudo isso.
Escolas de educação infantil que contam com profissionais da educação física, ou mesmo têm professores especialistas ou com muita prática em psicomotricidade, propiciam ótimas condições de aprendizado para as crianças.
Existem crianças que espelham não só algumas palavras, mas frases inteiras e isso pode ser um sintoma da disgrafia. A disgrafia, dislexia, a síndrome de Irlen, problemas na coordenação motora como a dispraxia, são os grandes distúrbios de aprendizagem causadores da escrita espelhada.
Para quem não lembra, vamos recordar:
Disgrafia:
Conhecida como letra feia. Isso acontece devido a uma incapacidade de recordar a grafia da letra. A disgrafia, porém, não está associada a nenhum tipo de comprometimento intelectual. Apresenta: lentidão na escrita, letra ilegível, escrita desorganizada, desorganização geral na folha por não possuir orientação espacial, letras retocadas, hastes mal feitas, atrofiadas, omissão de letras, palavras, números, formas distorcidas, movimentos contrários à escrita (um S ao invés do 5 por exemplo). Podemos encontrar dois tipos de disgrafia:- disgrafia motora (discaligrafia) e a disgrafia perceptiva. (SAMPAIO, 2016[2]).
Dislexia:
A dislexia é um transtorno específico e persistente da leitura e da escrita, que se caracteriza por um baixo desempenho na capacidade de ler e escrever. É uma condição de base genética, que se manifesta inicialmente durante a fase de alfabetização.[3]
Síndrome de Irlen (Dislexia de leitura): é uma alteração do processamento visual, de ordem hereditária e genética, causada pelo desequilíbrio da capacidade de adaptação à luz. Isso produz alterações visuo-perceptuais, causando dificuldades principalmente com a leitura[4].
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Dispraxia:
A dispraxia é uma disfunção motora neurológica que impede o cérebro de desempenhar os movimentos corretamente. Isso causa problemas na coordenação motora (lentidão, imprecisão, dificuldades ao recortar), a falta de percepção tridimensional (copiar figuras geométricas, escrever) e o equilíbrio, o que resulta em uma desorganização da apresentação de trabalhos no papel[5].
Se todas as intervenções pedagógicas em prol do entendimento da criança por uma escrita correta, tenha sido feita, e ainda assim, ela apresenta comportamentos preocupantes, vale a pena solicitar uma avaliação com um psicopedagogo e outros profissionais, já que o disgnóstico destes distúrbios é sempre multidisciplinar. Cabe ressaltar que a idade que deve deixar os pais e professores em alerta é entre os 8 e 10 anos de idade (DEHAENE, 2012), antes disso não há maturidade suficiente para classificar as crianças como detentoras de qualquer um destes distúrbios.
Fique atento se a criança que costuma espelhar letras não é canhota, pois estas, tem um pouco mais de desafios para escrever do que as destras, pois o movimento para escrever, em nossa cultura ocidental é da direita para a esquerda, o que obriga os canhotos a fazerem o movimento contrário da sua mão para a escrita.
E claro, registre o registro sobre essa fase da alfabetização e as atividades que foram aplicadas em sala. Essas anotações serão muito valiosas para o refletir sobre os avanços dos pequenos.
Na Eduqa.me você consegue fazer planos da rotina da semana, registro de atividades, perfil das crianças, relatórios e compartilhamento com a família.
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Referência Bibliográfica:
BOSSA, Nádia. Dificuldades de Aprendizagem: o que são e como tratá-las. Porto Alegre: ARTMED, 2000.
DEHAENE, Stanislas. Os neurônios da leitura: como a ciência explica a capacidade de ler. Porto Alegre: Penso, 2012.
PIAGET, J.; INHELDER, B. A psicologia da criança. São Paulo: Difel,1980.
[1] Leia mais em FERREIRO, Emilia e TEBEROSKY, Ana. A psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.
[2] Fonte: http://www.psicopedagogiabrasil.com.br/#!em-branco/c11mv último acesso em agosto/2016.
[3] Saiba mais em Instituto ABCD. http://www.institutoabcd.org.br/perguntaserespostas/
Consulte também: https://dislexia.org.br/
[4] Leia mais sobre Síndrome de Irlen em nossa página da Edqua.me . http://naescola.eduqa.me/desenvolvimento-infantil/sindrome-de-irlen-nunca-ouvi-falar/
[5] Fonte: http://brasil.planetasaber.com/theworld/chronicles/seccions/cards/default.asp?pk=3288&art=94
Texto: Luciana Fernandes Duque para a Eduqa.me. Luciana doutoranda em Educação Especial – Faculdade de Motricidade Humana pela Universidade de Lisboa – Portugal, Mestre em Educação – Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Psicopedagoga Clínica e Pedagoga com vasta experiência Educação Inclusiva. É autora de dois livros, um sobre inclusão escolar e outro sobre relação professor aluno. É responsável pela fanpage Luciana F Duque Psicopedagogia e Inclusão.